sábado, 2 de janeiro de 2010

Um processo de desvalorização

Quando Lafaiete Pacheco e outros jovens fundaram, em 1912, o Clube de Regatas Brasil, os serviços de telecomunicações tupiniquins ainda engatinhavam. Um ano depois foi fundado aquele que viria a ser o maior rival do CRB, o não menos glorioso Centro Sportivo Alagoano – fundado, a priori, sob a nomenclatura Centro Sportivo Sete de setembro. Ambos polarizariam a rivalidade no estado de Alagoas durante décadas.

O CRB, com sede no bairro da Pajuçara, tinha nos bairros de Ponta Verde e Pajuçara a maior parte de seus adeptos. A torcida do CSA, por sua vez, concentrava-se nos bairro às margens da Lagoa Mundaú. O CSA aderiu ao futebol em 1915; o CRB começou a pratica de futebol um ano depois.

A rivalidade entre os dois clubes só aumentava. Maceió se dividia em CSA e CRB – o azul e o encarnado.

Os mais antigos certamente se lembram da Rádio Nacional – um marco na história do rádio brasileiro –, fundada na década de 30, no Rio de Janeiro. Estatizada, pelo Estado Novo de Getúlio Vargas – em 1940 –, a emissora passou a ser ouvida em todos os cantos do Brasil.

Com a propagação dos meios de comunicação, a interação entre as regiões do Brasil aumentou consideravelmente. Porém, a expansão cultural era feita no sentido Sudeste-Nordeste; ou seja, de lá para cá, nunca o contrário. A cultura, a arte e os costumes do Rio de Janeiro eram transmitidos para todo o Brasil. De tal modo que a cultura de cada região era diminuída paulatinamente. Assim, o cenário foi mudando. Inclusive, a paixão dos torcedores. A popularidade do rádio se deu imediatamente; e, com o tempo, transformou-se em febre pelos clubes do Rio de Janeiro. Não demorou muito para que os clubes de maior popularidade em Alagoas fossem os cariocas.

Em outras palavras, os meios de comunicação roubaram um pouco de nossa identidade. Furtou-nos, por assim dizer, o orgulho do que verdadeiramente é nosso. Passamos, lamentavelmente, a admirar o que é deles. Sequer nos dávamos conta – ingenuidade perfeitamente compreensível, diga-se –, por um segundo sequer, da lavagem cerebral que estávamos submetidos. A Rádio Nacional possuía àquela altura uma força midiática superior – considerando as devidas proporções – a Rede Globo dos dias atuais.

Com o tempo, a TV substituiu o rádio na condição de maior veículo difusor do Brasil. Na década de 60, surge a Rede Globo, também com sede no Rio de Janeiro, que se tornou o maior canal de TV da América Latinha (quarta maior do mundo). Mais uma vez os alagoanos eram submetidos e acostumados à cultura do eixo mais rico do país.

E os clubes locais? Tire o amigo leitor a sua conclusão: o Flamengo já tinha a maior torcida em Alagoas. Amigo, num jogo entre CRB e Flamengo, em 1976 – ano da melhor classificação do Regatas num Campeonato Brasileiro de Primeira Divisão –, entrou para história pela quantidade de torcedores do Flamengo em pleno Rei Pelé. O jogo foi matéria na Revista Placar da época, exaltando a “nação flamenguista” em terras alagoanas.

Os clubes paulistas só viriam a adquirir aceitação maciça entre os alagoanos a partir das transmissões de seus jogos em cadeia nacional – não coincidentemente, por óbvio. Clubes como Corinthians, Palmeiras e São Paulo também passaram a ter torcidas expressivas em Alagoas. CRB e CSA, para infelicidade da identidade alagoana, só diminuíam.

Percebe-se que, ao longo dos anos, foi feito uma lavagem cerebral nas pessoas das regiões periféricas do país, daqueles territórios que não fazem parte do centro socioeconômico brasileiro. Roubaram-nos a cultura e a arte: os folguedos, o bumba-meu-boi, os pastoris. Deram-nos a cultura deles, forçaram-nos a admirar o que é deles e menosprezar o que é nosso. Fizeram-nos menosprezar nossos clubes.

Penedense, CRB, CSA e ASA são exemplos de tradicionais e originais produtos do nosso futebol, da nossa cultura. Esses, sim, tem relação com nossas raízes.

A IMPORTÂNCIA DE VALORIZAR O FUTEBOL ALAGOANO:

1 – Valoriza o que é da terra, legitimamente nosso, genuinamente alagoano.

2 – Com o clube local sendo alvo de maiores interesses, a conseqüência é a necessidade de cobertura da imprensa. Assim, descentralizando as notícias da grande mídia, abrindo espaços para outros veículos, dando alternativas de buscas e aumento de informações. Essa concorrência da mídia só traz mais qualidade na cobertura.

3 – Torcer por um clube de sua região significa ter a chance de ir ao estádio costumeiramente, acompanhar treinos, ter proximidade com os ídolos etc.

4 – Nivela a divisão de cotas de televisão – maior fonte de receita dos principais clubes brasileiros –, diminuindo a desigualdade entre os clubes.

5 – Com mais torcedores, o clube passa a investir no marketing, gerando mais uma fonte de recurso. Criam-se produtos do clube da região, gerando mais empregos indiretos.

6 – Futebol é lazer! Um clube local forte é garantia de eventos e entretenimentos para a população.

7 – Evita a decadência do futebol do estado menor. Nosso estadual está cada vez mais espremido para atender às exigências da CBF, que quer priorizar o calendário dos grandes clubes do eixo. Por que priorizam esses clubes? Respondo: pois tem mais torcedores em todo país. A grande maioria dos clubes alagoanos joga apenas em três meses do ano. Futebol é a alegria do povo. O povo gosta de ir aos estádios. O nordestino ainda mais!

8 – Mais torcedores dos clubes locais, mais receitas (ingressos, sócios, vendas de camisas, chaveiros etc.) e mais empregos (jogadores, treinadores, massagistas, jornalistas, costureiras, ambulantes, porteiros, lavadeiras, enfim, todos os empregos gerados direta e indiretamente pelo futebol).

9 – Com os times da região fortes, teremos como conseqüência a criação de ídolos locais. A criação de ídolos estimula o espelhamento e a prática esportiva.

10 – Diminui a elitização (clubes ricos – do eixo – cada vez mais ricos, e clubes pobres – os demais – cada vez mais pobres) do futebol brasileiro.

11 – Fortalece até mesmo os pequenos clubes do interior, que tem nos estaduais a sua única oportunidade de participação.

12 – Não fornece ainda mais receitas aos clubes já privilegiados econômica e geograficamente, assistindo seus jogos e comprando seus produtos; clubes esses que estão longe e os seus simpatizantes não podem usufruir do que este capital proporciona.

A propósito, qual seu time de coração?

Um comentário:

  1. E que processo!, caro amigo. Mas vou deixar, a título de comentário, a discriminação de algumas crônicas minhas acerca do tema, acreditando, modestamente embora, possam de algum modo enriquecer a discussão ou, ao menos, disseminar esse sentimento.

    Segue a lista:

    * Língua e futebol: ambos abastardados
    * Um estranho no ninho
    * Principal destino dos turistas paulistas tricolores
    * Dá-lhe mãe
    * Um estranho no ninho (2)
    * Vexame, paixão e baixa auto-estima
    * Preito a um resistente torcedor alagoano
    * Domingo continuarei Alagoas
    * O direito de ser esclarecido

    Em http://www.blogdoandrefalcao.com/search/label/Costumes%20%28cr%C3%B4nica%29

    Ainda:

    * Alagoas: dois campeões
    * Retrato do desinteresse
    * CRB (AL) x Flamengo e Vasco (RJ)
    * Sobre mistos: algumas reflexões

    Em http://bolagoana.blogspot.com
    É só ir virando as páginas para achar as 4.

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